11 Jun 2020

Minha experiência com Vipassana

(for english use the translator on the right side menu)
collage by Joana Coccarelli
                Você conhece a meditação Vipassana? Eu conheci essa técnica no comecinho dos anos 2000 quando minha querida prima Larissa recém-chegada de uma temporada na Índia veio me contando sobre tal técnica e eu jamais poderia esperar que haveria um centro no Brasil e muito menos em Miguel Pereira no Rio de Janeiro, ou seja, bem pertinho de mim e viável de ir.
                Nessa época acho que meditação não era um tema tão recorrente na minha vida cotidiana como é hoje. A internet estava começando a se popularizar e os telefones celulares só tinham o joguinho da minhoquinha. Nesse cenário, passar 10 dias num retiro e em silencio parecia um Saara em meio a minha confusão mental e um ambiente que eu vivia onde o autoconhecimento era uma questão de outro planeta de tão fora do contexto que tudo isso parecia. Parecia hype e cool para uma menina com seus 20 e pouquíssimos que estava buscando um estilo de vida diferente. (sempre fui meio diferentona  :p )
                Eu sempre confiei muito na minha prima e em tudo que sempre trocamos nessa vida e resolvi dar uma chance e ver o que era sem nem mesmo ter muita noção. Como sempre me taquei de cabeça sem muito me preocupar. Entrei em contato com eles e pra minha surpresa consegui uma vaga para o retiro que acontecia durante o carnaval. Então foi perfeito pra encaixar com os compromissos dessa vida terrena material. By the way, nessa época eu detestava carnaval e sempre queria sumir pra qualquer lugar fora dos eixos urbanos.
                A meditação Vipassana é uma técnica ancestral e que foi resgatada e vem sendo espalhada pelo mundo através dos ensinamentos de S.N.Goenka. Não tem ligação com nenhuma, religião crença e etc... eles deixam isso bem claro e você deve ir com a mente aberta para seguir o que eles propõem ate o final e isso inclui, não levar nenhum livro, não ouvir musica, usar roupas simples e sem apelo ao corpo, segregação de homens e mulheres, alimentação bem simples e 10 dias – isso mesmo – 10 dias de longas horas sentados meditando (ou tentando). O ensinamento mais forte que eu acho que é passado através dessa técnica é a aprender a reconhecer a impermanência das coisas/vida. O que é bom vai passar e o que é ruim também. O que eles chamam de manter a mente equânime.
                A experiência como um todo é muito forte, muito mesmo e eu não poderia sequer imaginar o tanto antes de decidir me inscrever. Já faz muitos anos e eu gostaria de ter escrito o relato logo após tudo o que aconteceu, mas no momento só posso escrever detalhes mais abrangentes, pois é o que minha mente ainda permite lembrar. Não teve um momento do começo ao fim que não fosse intenso: a começar pelo fato de ficar ininterruptas horas sentadas em posição de meditação, ouvir todos os ensinamentos, tentar acalmar a mente, e seguir a rotina proposta que incluía levantar muito cedo tipo 5am. Todos meditam num salão em comum mantendo as restrições de separação entre homens e mulheres. Dentre umas das orientações é, além do silencio,  não ter muito contato visual com os outros e isso incluiu mulheres com quem eu dividi o quarto no alojamento feminino. É muito louca a sensação de você de certa forma não conhecer aquelas pessoas (não tive oportunidade de conversar com elas antes do retiro começar) e depois com o passar dos 10 dias você meio que conhece elas apenas pela rotina e movimentação delas sem nunca ter olhado nos olhos ou sequer trocado uma palavra. Essa foi uma grande experiência pra mim! Perceber isso sem fazer julgamentos mentais do que cada um seria ou estava passando... mas sim deveria concentrar em mim apenas.
                Minha mente é muito sinistra e eu quis embora várias vezes e ficava me perguntando em que lapso de consciência eu resolvi me inscrever naquilo. Mas eu tenho um lado muito comprometido com tudo e me comprometi de experienciar a técnica até o final como havia sido o papel que eu assinei lá no começo. Olhando de fora e hoje depois de uns 15 anos vejo como essa experiência teve influencia fortíssima na minha vida.               
                Depois de tudo você entende a importância de não levar nenhum livro, nada para escrever e não ter sequer muito contato visual com as pessoas. Isso intensifica ainda mais a sua experiência interna e a sua relação consigo mesmo.
                Acho que meditar sei lá se eu consegui... Parece sempre que era uma luta interna minha com meus julgamentos, minhas inseguranças, misturadas com sono, dor e todo o sacrifício (sacro-oficio) daquela jornada. Eu vi como minha mente é inquieta, apesar de eu ser quieta! O fato de ficar em silêncio talvez não tenha sido o mais difícil, no geral, me considero uma pessoa quieta que ouve mais do que fala, mas ficar em silencio comigo mesmo foi uma experiência única. Lembro bem de flashes e momentos que tive recordações fortíssimas e claras de momentos na infância que me causaram muita dor e são reflexos de muitos complexos que até hoje trabalho para curar. Pareciam alguns momentos de sonhos lúcidos, pequena alucinações, micro sonhos acordada de lembranças muito antigas. Foi uma sensação bem peculiar e forte, tenho dificuldade de explicar isso um pouco. No final, ainda tive uma perturbação pra completar, como disse aqui no inicio quando me inscrevi para esse retiro não tinha ideia muito clara sobre autoconhecimento e tradições/trabalhos espirituais, então no final quando explicaram sobre o Goenka (não me lembro de muitos detalhes) tive a sensação de que aquilo poderia ser uma seita. Fiquei boladíssima!!! Não acho ruim ter  refletido sobre isso mas hoje posso  rever sobre o meu ponto de vista de tantos anos. Isso veio da minha mente que julga o tempo todo e fruto de educação em uma família onde qualquer pratica ou filosofia que fora do que era “padrão” da família era julgado como seita, e isso na verdade aconteceu comigo muitas vezes no processo familiar e no meu processo de evolução pessoal e trabalhos espirituais.  Muito por isso, na época, não podia entender que trabalhos espirituais e de autoconhecimento muitas vezes podem vir acompanhados de mestres e professores como em qualquer estudo, mas isso é muito difícil de enxergar quando se é leigo nesse quesito assim como eu era. Hoje enxergo bem mais claro depois de ter passado por muitas outras escolas de ensinamento espiritual e inclusive aceitar que envolver dinheiro em trabalhos espirituais é algo aceitável (claro que não incluo aqui od dízimos bizarros de igrejas estranhas como coisas de Edir Macedo por exemplo, mas os centros de estudo e praticas precisam se manter) O Vipassana vive de contribuições voluntárias ao redor do mundo, apesar de ser um retiro gratuito, ao final da prática os alunos podem fazer uma doação financeira bem como os alunos antigos que estão lá trabalhando para os novos, seja cozinhando, limpando e coordenando tudo para que o retiro aconteça, eles doam e assim segue o giro... A vida é assim né... um dia você dá e no outro você recebe, aquele eterno ciclo de prosperidade.
                A minha mente julgadora, depois de achar que poderia ser uma seita quis me afastar um pouco disso junto com o intenso trabalho interno que é todo o processo.  No entanto, após meu retiro, comecei a perceber que a prática veio se tornando mais popular no Brasil e percebi que vários amigos e conhecidos estavam participando e de leve eu comecei a reavaliar as minhas ideias.
                Mesmo assim acho que hoje, enquanto escrevo esse texto, devem ter cerca de 15/20 dessa experiência relatada acima eu comecei a considerar ir para mais um retiro de 10 dias, num modo pós Covid-19 sentindo necessidade de uma experiencial espiritual mais forte já que aqui nesse mundo material que vivemos tá intenso com tudo. E meditação estava parecendo o caminho mais viável visto que tenho cada dia mais me sentindo ficar longe de qualquer substancia, emoção ou sentimento que me altere em qualquer sentido. E assim meditação vem parecendo o caminho ideal atualmente. Foi através da meditação durante a quarentena que eu tomei algumas decisões importantes de mudança que estão entrando em prática conforme vamos voltando para o “novo normal”.
                Assim resolvi procurar o Vipassana novamente e me deparei com vários centros aqui na Austrália e um a 40 minutos daqui de casa!!!! Vai vendo... Eu estava pensando em ir para o centro em Queensland para o curso de 10 dias e tinha até conversado com um amigo brasileiro que mora aqui na Austrália também pra ver se ele estava interessado em ir, pois poderíamos marcar o mesmo curso. O curso de 10 dias aqui na Tasmânia estava em uma data que não seria viável e estava já cheio para mulheres. As vagas esgotam muito rápido por isso, se você quer participar, tem que ficar de olho quando as inscrições abrem e fazer logo no primeiro dia pra conseguir. No entanto em 3 dias tinha um curso de 1 dia para alunos antigos com vaga ainda!!! Pasmem!!!  Acho que foi logo depois da quarentena e logo que as restrições foram liberadas podendo juntar até 40 pessoas num mesmo espaço. Eu me inscrevi e perguntei se eu poderia ser considerada aluna antiga mesmo depois de tanto tempo. Acho que a probabilidade de aparecer outra pessoa seria pequena e plim!! Me aceitaram!!! Pareceu a oportunidade ideal... apenas 1 dia para eu rever aquilo tudo de maneira breve e ver se eu iria querer os 10 dias novamente.
                No mesmo dia à noite recebo uma ligação de uma pessoa do Vipassana me fazendo várias perguntas, pois no questionário que eu preenchi para inscrição perguntava se da minha ultima vez que estive no Vipassana até aquele dia se eu tinha participado de alguma outra pratica, se eu faço algum trabalho espiritual, se eu uso alguma substancia e umas perguntas do tipo. Eu respondi que sim e essa ligação veio aprofundar essa minha resposta no questionário. Claro que tive outras experiências, afinal faz uns 15 anos desde a última vez que eu estive no Vipassana e isso rapidamente me fez pensar na minha mente julgadora (não mudei muito ahn?): Será que ‘saporra’ é seita? Eu estava num restaurante com uma amiga que havia acabado de passar uma situação estranho com uma pessoa meio que fingindo uma sessão espiritual com ela. Pronto... minha mente já ficou afiada julgando... julgando... e fazendo mil pré-conceitos. Mas lá fui eu... Acordei cedinho e limpei a mente e fui de cabeça aberta... Cheguei lá e logo começou o silêncio e fomos pra sala de meditação. Acho que éramos cerca de 30 pessoas entre homens e mulheres. Mó frio tasmanico e foi só me sentar por alguns minutos e consegui me liberar daquele julgamento de seita. Mas estava difícil entender o inglês com sotaque fortíssimo das gravações do Goenka. Senti muito sono e logo comecei a dormir e isso foi o começo pra eu me auto flagelar junto com o desconforto do corpo que não demorou muito pra começar. Minha mente critica já começou com vários julgamentos e minha incessante chuva de pensamentos. Mas eu consegui me liberar e perceber que esse lance de seita foi a maior viagem da minha cabeça. Eu me puni mentalmente porque me distrai muito fácil e estava com muito sono, mas tentei ao máximo deixar passar, deixar os pensamentos passarem sem julgar e prestar atenção nas sensações do meu corpo sem me prender muito em nada, ou seja, tentando manter minha mente afiada na equanimidade. No entanto aconteceu algo muito peculiar que eu reparei. Quando estava me punindo por estar dormindo ao mesmo tempo percebi o quanto aquilo estava me trazendo de informação. Eu estava dormindo tendo micro sonhos novamente meio catárticos, meio reais e eu quase acordava deles me movendo conforme o que eu estava acontecendo no sonho. Isso foi MUITO forte! E aconteceram várias vezes e fiquei muito feliz de perceber ir. Diria que foi psicodélico de uma certa maneira.
                Em vários momentos eu fiquei pensando que não iria conseguir fazer o curso de 10 dias novamente e muitas coisas da mente vã pipocando o tempo todo. Acho que não consegui silenciar minha mente quase em hora nenhuma... Depois do almoço eu comi mais do que devia então fiquei ainda sofrendo um desconforto chato tendo que me levantar pra ir ao banheiro.
                A percepção desses micros sonhos lúcidos foram elucidativas demais e em micros segundos levantou questões intensas na minha vida. Fiquei muito grata por ter me permitido a experiência novamente.  A técnica do Vipassana é muito intensa e eu recomendo muito se você estiver preparado pra tal intensidade e transformação na vida.
                Apesar da mente inquieta, percebendo o desconforto corporal principalmente, e me dizendo que eu estava maluca de me inscrever para o curso de 10 dias novamente, eu agora estou com vontade de participar por 10 dias, apesar dos pesares... A ideia de não consumir nada externo ao meu corpo incluindo álcool ou outra qualquer substancia forte tem ficado cada vez mais clara pra mim. Uma chave para eu me trabalhar com o que há dentro de mim e me curar por dentro puramente tem ficado cada vez mais forte. E nesse sentido a meditação faz muitooooooo sentido! Eu vou participar como voluntaria num curso para cozinha e limpeza no próximo curso para alunos novos aqui na tasmânia.
                Se você ficou interessado deixa um comentário aqui em baixo! E confira maiores detalhes no site do próprio Vipassana. No site você tem acesso às orientações, informações oficiais da técnica, centros ao redor do mundo e datas de cursos.
                Obrigada por vir comigo até o final desse textão!!!
Love and light!!!

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